O tempo não para: retrospectiva do Projeto Harpia no Parque Estadual do Rio Doce
Equipe do Projeto Harpia reunida no Parque Estadual do Rio Doce / FOTO: Acervo do Parque Estadual do Rio Doce
Há um pouco mais de um ano, o Projeto Harpia começava uma verdadeira imersão no Parque Estadual do Rio Doce (PERD), um dos mais importantes remanescentes de Mata Atlântica do estado de Minas Gerais. A cada dois meses, uma equipe multidisciplinar percorria todos os cantos do parque com o único objetivo: encontrar e monitorar a harpia (Harpia hapyja) e outras águias florestas, como o raro e deslumbrante Uiraçu (Morphnus guianensis) e o belíssimo e sensível gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus).
Bom, então é hora de sentar em uma cadeira confortável e vir com a gente em uma retrospectiva para lá de especial.
No início de março de 2023 a equipe do Projeto Harpia realizou sua primeira incursão no PERD, uma iniciativa que contou com o apoio da eficiente equipe do Projeto Tatu-Canastra. Durante cinco dias foram realizadas ações de reconhecimento da área, buscas ativas e sobrevoos de drone, em busca de ninhos das maravilhosas espécies-alvo.
Após essa atividade, a equipe ficou verdadeiramente otimista, tendo em visto que a estrutura da floresta, presença de presas e de grandes árvores emergentes condizem com o habitat esperado para a harpia. Além do mais, um indivíduo jovem de gavião-de-penacho já havia sido registrado por um guarda-parque, indicando uma possível área de nidificação da espécie. Confira matéria postada em nosso site anteriormente: “Projeto Harpia: Parque Estadual do Rio Doce entra no mapa de identificação e proteção do Gavião-real”
Em conversas regulares com a comunidade do entorno, funcionários do PERD e visitantes, o Projeto Harpia conseguiu acumular relatos e mapear diversos pontos de ocorrência de algumas espécies, incluindo a harpia. Esse contato com moradores locais, além de fomentar a ciência cidadã, é muito importante para o trabalho proposto, já que as informações repassadas podem direcionar o esforço para áreas prioritárias.
Mapeamento de pontos de ocorrência de espécies no PERD / FOTOS: Henrique Mariano e Leonardo Marujo E foi através de uma foto na plataforma WikiAves que a equipe do Projeto Harpia chegou a um indivíduo de gavião-de-penacho, sendo ele, inclusive, avistado em sobrevoo de drone. Este evento gerou mais expectativas na equipe, afinal de contas, ali parecia ser um território da espécie. Achar o ninho do gavião-de-penacho era questão de tempo.
Enquanto isso, nada mais justo que encontrar as presas potenciais das magníficas águias, certo? Alguém precisa se alimentar nessa história.
Registro do gavião-de-penacho em voo / FOTO: Henrique Mariano
Utilizando o drone como ferramenta de busca, o Projeto encontrou diversas espécies como a preguiça-comum (Bradypus variegatus), o ameaçado muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), bugio (Alouatta guariba), guigó (Callicebus nigrifrons) e macaco-prego (Sapajus nigritus). Ainda não havia sinal da harpia, mas uma coisa era certa: havia alimento para ela. E muito.
Para quem não sabe, a harpia é um predador topo de cadeia, atuando como uma importante controladora de populações de mamíferos de médio e grande porte, sobretudo arborícolas e diurnos. A presença da harpia indica um ecossistema em equilíbrio. Ao controlar superpopulações, a ave mantém a saúde dos ecossistemas, incluindo o seu! Isso mesmo; já parou para pensar que mosquitos e carrapatos são vetores de doenças e estão concentrados em se alimentar de fluidos de mamíferos? Menos predadores de topo, mais vetores. Mas isso é um papo para outra história.
Voltando para o nosso relato, as campanhas de campo continuam dando bons frutos. Embora a harpia ainda não tenha dado o “ar da graça”, foram registradas espécies como o gavião-pato (Spizaetus melanoleucus) e gavião-pega-macaco (Spizaetus tyrannus). Além disso, olha que bacana: o ninho de gavião-de-penacho foi encontrado. E com a ajuda da fêmea!!
“No segundo dia de busca da terceira campanha, uma fêmea de gavião-de-penacho foi registrada pousada em uma bela e grande árvore. Ela, logo em seguida, voou para uma árvore próxima. Na tentativa de não a perder de vista, a equipe não só a encontrou, como também conseguiu registrar o exuberante ninho do casal E EM ATIVIDADE! “Lindo, pode acreditar!”, contou o pesquisador do Projeto Harpia, Paulo Quadros.
Tudo isso é só um resumo. Também teve avistamento de anta (Tapirus terrestris), onça-parda (Puma concolor), mamíferos de pequeno porte, além de outras aves, como o ameaçado e endêmico da Mata Atlântica, gavião-pombo-pequeno (Amadonastur lacernulatus) e um fantasma das matas, o lendário jacu-estalo (Neomorphus geoffroyi).
Instalação e monitoramento de armadilhas fotográficas / FOTOS: Leonardo marujo e Paulo Quadros
Também foram registradas imagens de tatu-canastra (Priodontes maximus), jaguatirica (Leopardus pardalis), cutia (Dasyprocta sp.), gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi) e onça-pintada (Panthera onca), captadas por armadilhas fotográficas, também chamadas de câmeras trap.
O projeto também deixou sua participação em eventos extremamente salutares nas tomadas de decisão dentro do PERD, como foi o caso do Plano de Pesquisas e Seminário de Pesquisas Integradas. Vale destacar que os registros nas armadilhas fotográficas contribuem de forma importante para o levantamento de dados e fortalecimento de laços entre os projetos atuantes no PERD.
Ufa... É muita coisa que só aconteceu graças a todos e todas que estiveram envolvidos com o projeto. Gente no mato, no escritório, na estratégia, na produção e na ciência. Enquanto houver tempo, o Projeto Harpia vai estar lutando pela defesa da biodiversidade. Pode apostar!
Espécies captadas por meio de câmera trap
Projeto Harpia
Há mais de 20 anos, a descoberta de um ninho de gavião-real nas florestas da região norte do Brasil, próximo a Manaus, dava origem ao que viria a se tornar o “Projeto Harpia”. A oportunidade de proteger a espécie - ameaçada de extinção desde 2014 - inspirou um pequeno grupo de biólogos a desenvolver estratégias de identificação, mapeamento e monitoramento de ninhos com ajuda de voluntários engajados na luta pela conservação da ave na Amazônia brasileira.
O projeto cresceu e passou a atuar também em outras localidades do Brasil, como o Cerrado mato-grossense, a Mata Atlântica capixaba e mineira. O "Programa de Conservação do Gavião-real" (PCGR) foi rebatizado como “Projeto Harpia”, consolidando-se como a iniciativa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), com diversos parceiros espalhados pelo Brasil (incluindo o Instituto Últimos Refúgios), que atuam no mapeamento e monitoramento da espécie gavião-real em regiões da Amazônia, do Cerrado e da Mata Atlântica capixaba.
As ações apoiam o desenvolvimento de pesquisas científicas, a reabilitação de aves feridas, a sensibilização ambiental e o incentivo ao turismo sustentável com ajuda de pesquisadores, biólogos, voluntários e estudantes. A equipe ainda conta com ajuda de comunidades locais para monitoramento de ninhos em habitat natural.
Projeto Harpia PERD
O Projeto Harpia PERD é uma realização do grupo Unidos Pelo PERD, que conta com o envolvimento das seguintes instituições. Instituições: Instituto Últimos Refúgios, Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB), Waita Instituto de Pesquisa e Conservação e Universidade Federal de São João del-Rei (UFJS).
Projetos: Projeto Harpia, Projeto Tatu Canastra, Primatas Perdidos, Projeto Bicudos e Projeto Carnívoros do Rio Doce.
Apoio: Plataforma Semente, Caoma MPMG, Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), Parque Estadual do Rio Doce (PERD), Instituto de Florestas (IEF), Governo do Estado de Minas Gerais e Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Conheça as Mídias do Projeto Harpia e acompanhe todos os núcleos: Portal Projeto Harpia
FOTOS: Paulo Quadros
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