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Duplicação da BR-101 ameaça Reserva Biológica de Sooretama

A Reserva Biológica de Sooretama e sua zona de amortecimento, que cobre o maior fragmento de Floresta de Tabuleiro de toda a Mata Atlântica, pode sofrer ainda mais impactos com a duplicação da rodovia federal BR-101. O projeto traz diversos problemas ambientais à região, como o aumento dos atropelamentos de fauna, da poluição e da caça, fatores de risco à perda definitiva de espécies nativas ameaçadas de extinção.


A reserva está situada a 170 quilômetros da capital Vitória, abriga diversas espécies endêmicas da Mata Atlântica e é consagrada como patrimônio biológico de valor inestimável à biodiversidade capixaba, do Brasil e do mundo. O workshop “"Impactos da Rodovia BR-101 na Reserva Biológica de Sooretama: estudos, alternativas e mitigação", realizado em 2014 pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em parceria com o Instituto Últimos Refúgios, já abordava muitos dos problemas ambientais causados pela rodovia que voltaram a ser discutidos nos últimos meses.


Trecho da BR-101 que passa pela ReBio Sooretama. Foto: Leonardo Merçon


PROBLEMÁTICA

A BR-101 foi construída no início da década de 1970, após a criação da Reserva Biológica de Sooretama como unidade de conservação, 30 anos antes da rodovia. Desde então, a legislação ambiental impede a duplicação da rodovia no trecho de 25 km que corta a ReBio e sua zona de amortecimento, incentivando pesquisadores e ambientalistas a se posicionarem a favor da construção de um desvio para amenizar os impactos à biodiversidade.


O atropelamento de fauna é um problema comum nas estradas que cortam a ReBio. Foto: Leonardo Merçon


No Espírito Santo, a rodovia foi concedida à administração privada para um plano de duplicação em todo o estado. O projeto está em análise de licenciamento pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com alternativas de contorno nas cidades de Iconha (onde já foi construído), Serra (em processo de construção), Fundão, Ibiraçu e Linhares.


Nos últimos meses, voltou-se a falar sobre a duplicação da rodovia no trecho norte do Espírito Santo. A matéria do jornal Século Diário, conhecido por abordar temas relacionados ao estado, questiona o valor ambiental da concessionária responsável pelo projeto. A empresa, apoiada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), recusa a possibilidade de contornar a reserva para duplicar o trecho, alegando que a medida aumentaria os custos da operação. Leia a matéria completa AQUI.


Desde 2011, pesquisas coordenadas pelo biólogo e professor da UFES Aureo Banhos analisam os impactos da BR-101 na biodiversidade da ReBio de Sooretama. A morte de animais por atropelamento ao longo dos 50 mil hectares de florestas se destacou como um dos principais problemas ambientais da região, e embora não seja o único, é o mais evidente para aqueles que frequentam o local.


Atropelamento de fauna. Fotos: Leonardo Merçon


Ao longo dos anos, Aureo fala sobre a preocupação dos pesquisadores em diversos fóruns, audiências, mídias e reuniões. Após a notícia sobre a reunião da Comissão Especial de fiscalização da concessão da BR-101 da Assembléia Legislativa do Espírito Santo (Ales), o biólogo expôs novamente, nas redes sociais, sua opinião contra a duplicação e a favor do desvio da rodovia. O texto foi republicado por veículos como Século Diário e Conexão Planeta. Conheça o texto na íntegra:


A rodovia BR-101 está na contramão da conservação da Reserva Biológica de Sooretama, ao norte do estado do Espírito Santo. A área é um dos últimos refúgios de Mata Atlântica do estado e também, um raro ponto do Sudeste brasileiro onde é possível encontrar vestígios de espécies amazônicas.

Para manter a biodiversidade local da “Terra dos Animais da Floresta” (Sooretama em língua Tupi), prestando seus relevantes e ricos serviços ecossistêmicos em nível regional e global por longo prazo, especialmente protegendo a fauna, mas também a flora e a paisagem, não cabe naquele cenário a rodovia federal BR-101, muito menos duplicada.

Aquela rodovia passou ali à revelia do Código Florestal da época, no final da década de 1960, quando a Reserva Biológica de Sooretama já existia como unidade de conservação desde o início da década de 1940, legada pelos poderes públicos estadual e federal comprometidos em proteger uma amostra da riqueza da região, especialmente da fauna, relatada a sua importância por naturalistas, ambientalistas e cientistas, que nos séculos e décadas anteriores conheceram a região, frente ao acelerado processo de transformação da cobertura do florestal do norte do estado a partir do acesso à região estabelecido pela ponte sobre o rio Doce, em 1923, no município de Colatina.

A legislação não permitia, e hoje também não permite, tal empreendimento no interior daquela área protegida.

Essa rodovia causa uma alta taxa de mortandade de animais. São atropelados não somente médios e grandes vertebrados terrestres ameaçados de extinção, como onças e antas, mas também animais arborícolas, como macacos e preguiças, e inclusive voadores, como a maior águia do mundo, a harpia.

Na Reserva de Sooretama foi registrada a maior diversidade de morcegos vítimas de atropelamentos no mundo. A perda desses animais é um passivo impossível de evitar, qualquer que seja a medida de mitigação feita no eixo dessa rodovia que atravessa esse ecossistema tão único e frágil.

Mas os atropelamentos são apenas uma parte dos problemas, que vão muito além. Pode-se citar, dentre vários outros impactos, a perda de habitat pela área de floresta suprimida no eixo da construção da estrada e adjacências, a poluição promovida pela estrada (restos da estrutura da própria estrada, resíduos de combustíveis e da carga química transportada pelos veículos, lixo, guimbas de cigarros, faíscas dos veículos, ruído do tráfego…), que afetam a biodiversidade por quilômetros de distância na floresta a partir da estrada.

No meu ponto de vista, o principal problema é que esse tipo de empreendimento é um vetor de ocupação humana na paisagem, incluindo o estabelecimento de outros empreendimentos e até outras estradas, potencializando todos os outros problemas, concorrendo pelos recursos da área, como água, solo e terra, e rivalizando com a proteção da reserva (reduzindo a água para a biodiversidade, e promovendo o desmatamento, a caça, as queimadas, o uso de agrotóxicos no ambiente, a poluição industrial, o lançando efluentes domésticos urbanos…), uma situação impossível de controlar.

Um claro exemplo disso é que em 1994 a ocupação humana intensificada pela BR-101 promoveu o estabelecimento na região da cidade chamada de Sooretama, nome em homenagem à própria reserva. A região agrícola cresceu e se emancipou beneficiada pelos serviços ambientais prestados pela proteção das reservas, mas o crescimento acelerado da região impacta negativamente a prestação desses próprios serviços.

Pior será com a BR-101 duplicada. Sooretama não mais será a terra dos animais, será substituída por aquilo que vemos em todos outros lugares, a ação devastadora humana. Estamos sobre ombros de gigantes, que por esses atos no passado, nos permitiram hoje conhecer uma amostra do que era biodiversidade de toda a região. E só nos resta agora garantir que as gerações futuras também possam se beneficiar desse legado. Mas a rodovia BR-101 definitivamente não é o caminho para isso.

Mas os atropelamentos são apenas uma parte dos problemas, que vão muito além. Pode-se citar, dentre vários outros impactos, a perda de habitat pela área de floresta suprimida no eixo da construção da estrada e adjacências, a poluição promovida pela estrada (restos da estrutura da própria estrada, resíduos de combustíveis e da carga química transportada pelos veículos, lixo, guimbas de cigarros, faíscas dos veículos, ruído do tráfego…), que afetam a biodiversidade por quilômetros de distância na floresta a partir da estrada.

No meu ponto de vista, o principal problema é que esse tipo de empreendimento é um vetor de ocupação humana na paisagem, incluindo o estabelecimento de outros empreendimentos e até outras estradas, potencializando todos os outros problemas, concorrendo pelos recursos da área, como água, solo e terra, e rivalizando com a proteção da reserva (reduzindo a água para a biodiversidade, e promovendo o desmatamento, a caça, as queimadas, o uso de agrotóxicos no ambiente, a poluição industrial, o lançando efluentes domésticos urbanos…), uma situação impossível de controlar.

Um claro exemplo disso é que em 1994 a ocupação humana intensificada pela BR-101 promoveu o estabelecimento na região da cidade chamada de Sooretama, nome em homenagem à própria reserva. A região agrícola cresceu e se emancipou beneficiada pelos serviços ambientais prestados pela proteção das reservas, mas o crescimento acelerado da região impacta negativamente a prestação desses próprios serviços.

Pior será com a BR-101 duplicada. Sooretama não mais será a terra dos animais, será substituída por aquilo que vemos em todos outros lugares, a ação devastadora humana. Estamos sobre ombros de gigantes, que por esses atos no passado, nos permitiram hoje conhecer uma amostra do que era biodiversidade de toda a região. E só nos resta agora garantir que as gerações futuras também possam se beneficiar desse legado. Mas a rodovia BR-101 definitivamente não é o caminho para isso.

Aureo Banhos

Biólogo, Doutor em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva

Professor da Universidade Federal do Espírito Santo


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