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Augusto Milagres e Gomes - Biólogo

Montanhas: as vigias do clima

Sempre me encantei com montanhas. A grandiosidade dos paredões rochosos envoltos por neblina ou cobertos por neve evoca algo de mágico no imaginário humano. Quase como se esses gigantes quisessem nos dizer algo. De fato, para os fotógrafos, cientistas e entusiastas da natureza, eles dizem muita coisa. Muito além da sua beleza estética, as montanhas carregam também uma parte importante da história do nosso planeta e também de como ele vem mudando ao longo do tempo.

Isso é especialmente interessante quando o assunto é aquecimento global e mudanças climáticas. Muitos dos animais e plantas que vivem nas montanhas passaram por um longo processo evolutivo de adaptação a condições ambientais hostis, como temperaturas extremas, solos pobres, alta exposição solar, ar rarefeito e restrição de água. Falamos aqui de uma relação muito íntima entre os organismos e seu ambiente. Sendo assim, se o ambiente mudar e tornar-se desfavorável, as opções são restritas: migrar para lugares mais favoráveis, evoluir (o que biologicamente significa mudar, e geralmente demanda muito tempo de diversificação e atuação da seleção natural) ou simplesmente perecer.


No cenário de mudanças climáticas globais, com aumento da temperatura média do planeta, aquecimento de alguns lugares e resfriamento de outros, a vida nas montanhas é uma das primeiras a ser afetadas. Isso porque os organismos que acabamos de mencionar, tão especializados na vida nas montanhas, são obrigados a acompanhar as mudanças de temperatura que lhes são favoráveis. Como a temperatura cai em função da altitude, se o clima de uma região esquenta, as espécies que antigamente ocupavam a base de uma montanha, mais adaptadas ao calor, agora são capazes ou mesmo forçadas a ocupar áreas mais altas, que agora tem temperatura mais amena. Por outro lado, as espécies mais adaptadas ao frio presenciam uma redução na sua área de ocorrência potencial, pois são obrigadas a ocuparem regiões mais próximas ao topo das montanhas, onde a temperatura é mais baixa. De forma semelhante, se o clima regional esfriar, as espécies do topo das montanhas são capazes de colonizar áreas mais baixas, enquanto as espécies adaptadas ao clima mais quente da base das montanhas são obrigadas a descerem ainda mais em busca de temperaturas menos extremas.


Bom, até aí tudo bem. O grande problema é que a área disponível também diminui com a altitude, já que o relevo montanhoso tende a se aproximar de uma forma cônica. O que isto significa? Significa que os animais e plantas adaptados a viver nas regiões mais frias e com condições ambientais mais rigorosas, no topo das montanhas, não terão para onde ir caso a temperatura aumente, simplesmente por que não há como subir mais! Isso tem levado à extinção de inúmeras espécies em âmbito global, e tem se tornado uma preocupação cada vez maior de ecólogos e ambientalistas.


Estudos conduzidos nos campos rupestres da Cordilheira do Espinhaço (maior cadeia montanhosa do Brasil, ilustrada pelas quatro primeiras fotos desta matéria), por exemplo, apontam para uma possível perda de mais de 80% da área adequada para sobrevivência das espécies ali existentes até 2070, devido às mudanças climáticas. Essa perda pode ser ainda maior quando considerados outros fatores que agem em conjunto, com a perda de hábitat pela expansão urbana, minerações, avanço da agropecuária, silvicultura e espécies invasoras. Isso faz com que as espécies e ecossistemas associados às montanhas fiquem cada vez mais ilhados e vulneráveis a outros impactos.


As montanhas atuam assim como grandes vigias do clima, nos alertando sobre as mudanças pelas quais nosso planeta está passando. A mudança nos padrões de distribuição das espécies é um dos primeiros sinais de que mudanças ambientais maiores estão por vir, e deve ser cuidadosamente analisada para evitar futuras perdas de biodiversidade e de todos os serviços ambientais associados.



* Texto e fotos de Augusto Milagres e Gomes, Biólogo, mestre em ecologia e fotógrafo da natureza.

Conheça mais sobre o trabalho do Augusto no LINK.

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Referências

Fernandes, G.W.; Barbosa, N.P.U.; Negreiros, D.; Paglia, A.P. 2014. Challenges for the conservation of vanishing megadiverse rupestrian grasslands. Natureza & Conservação 12(2): 162–165.


Fernandes, G.W. 2016. Ecology and conservation of mountaintop grasslands in Brazil. Springer, Switzerland.


Fernandes, G.W.; Barbosa, N.P.U.; Alberton, B.; Barbieri, A.; Dirzo, R.; Goulart, F.; Guerra, T.J.; Morellato, L.P.C. & Solar, R.R.C. 2018. The deadly route to collapse and the uncertain fate of Brazilian rupestrian grasslands. Biodiversity and Conservation (https://doi.org/10.1007/s10531-018-1556-4).


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